segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O broquista
















No mês de Junho um dos meus vizinhos ficou desempregado e começou a aparecer com frequência em minha casa, visto não ter nada que fazer. Como trabalhava na cortiça (a principal actividade nesta área) era óbvio que o tema viesse frequentemente à baila. E tanto veio que começou a criar no meu subconsciente uma imagem sólida (reforçada pela minha própria experiência na matéria) sobre o assunto. Eu já tinha uma ideia bem formada sobre o tema, mas com o recalque ele veio ao de cima e, com uma vontade tão grande de se manisfestar, que foi só abrir a torneira e saiu tudo cá para fora.





O que vou escrever de seguida "O broquista", demorou o tempo exacto de sair da minha mente para o papel à velocidade que escrevia, e posso garantir que nunca na vida escrevi nada tão rápido. É como se estivesse para parir e apenas faltasse dar a ordem para o fazer.





Aí vai:










O BROQUISTA










Das oito da manhã às cinco da tarde





Sou na fábrica escravo do patrão.





Pedalo frenéticamente na broca





Para encher rápidamente o latão.










O encarregado não dá tréguas





E a música na rádio é uma desilusão.





Traço atrás de traço





Tento não cortar nenhum dedo da mão.










A broca é lâmina de barbear





E a vontade de fazer muitas rolhas tentação.





Aproveitar ao máximo o traço é obrigatório





Ou o encarregado dá-me cabo do melão.










Se no traço há verdura





A broca vai desafinar.





A verdura é lenha





E no fim a rolha não vai contar.










Trac-trac durante oito horas em stéreo





Fazem-me parecer um ciclista em ascensão.





Não há tempo para ficar cansado,





Ou vou ter de aturar o filho do patrão.










Apara furada para a rede,





Rolhas para o latão.










"QUEM FIZER MAIS É O CAMPEÃO."










Quando a apara é muita





Há que a mudar.





Esfolas as pontas dos dedos nas redes





Quando pelo estaleiro as tens de arrastar.










Com o camião por baixo





Atira-las pelo ar.





E tens de andar rápido





Porque o patrão já te está a chamar.










Na escolha as mulheres fazem a separação.





Extra, superior, 1ª, 2ª, 3ª, 4º e quinto.





O filho do patrão assedia as boazonas





Com a intenção de lhes ir ao pito.










O rabaneador é o Samurai da cortiça.










Com a grande placa na mão





Tem de a cortar com perícia.





E com gestos largos vai-a cortando na serra





Com a habilidade de um artista.










Tem de ser um especialista.










A lavação é o tanque da alquimia.





Mata os micróbios, fungos e outros parasitas.





É caustica, húmida e corrosiva.





Ninguém lá quer trabalhar por ser pouco sadia.










Com as rolhas enfiadas em redes de nylon





Tenho de as enfiar em tanques de soda fria.





Nem as luvas, galochas, ou o fato de protecção,





Resistem muito tempo à corrosão activa.










Sobretudo no Inverno





É trabalho desagradável.





Ninguém o quer fazer. - Pudera.





É duro como o caralho.










Na cozedura o Inverno é amigo,





E o forno fumegante cria bom ambiente.





O ar cheira a cortiça fresca, a dinheiro...










Os fardos elevados por correntes





Caem no caldeirão docemente.










O cheiro adocicado é cozinhado a fogo lento.





A água preta borbulha e o forno é contínuamente atestado com lenha.





A caldeira parece um vulcão





Com vontade de cuspir fardos de cortiça de primeira.










Máquinas entram e saem





Com fardos para cozer ou pôr a temperar.





São precisas algumas semanas na sombra





Para os deixarem prontos a rabanear.










Há um tipo de bolor típico da cortiça





Fácil de identificar.





Faz lembrar queijo Rockfort,





Desagradável ao cheirar.










Quando a rolha é de fraca qualidade





Há que a parafinar.





Este processo funciona bem, mas cuidado.





A fábrica pode ir pelo ar.










A garrafa pede rolha,





A rolha quer engarrafar.





Venham daí umas garrafas de tintol





Que estou pronto para as aviar.










P´rá França, p´rá Alemanha, p´rá Califórnia,





Camiões, o contentor a abarrotar.





Quero euros, quero dólares,





Para uma vida de luxo levar.










Olha aí um copo man.










JUN09