No mês de Junho um dos meus vizinhos ficou desempregado e começou a aparecer com frequência em minha casa, visto não ter nada que fazer. Como trabalhava na cortiça (a principal actividade nesta área) era óbvio que o tema viesse frequentemente à baila. E tanto veio que começou a criar no meu subconsciente uma imagem sólida (reforçada pela minha própria experiência na matéria) sobre o assunto. Eu já tinha uma ideia bem formada sobre o tema, mas com o recalque ele veio ao de cima e, com uma vontade tão grande de se manisfestar, que foi só abrir a torneira e saiu tudo cá para fora.
O que vou escrever de seguida "O broquista", demorou o tempo exacto de sair da minha mente para o papel à velocidade que escrevia, e posso garantir que nunca na vida escrevi nada tão rápido. É como se estivesse para parir e apenas faltasse dar a ordem para o fazer.
Aí vai:
O BROQUISTA
Das oito da manhã às cinco da tarde
Sou na fábrica escravo do patrão.
Pedalo frenéticamente na broca
Para encher rápidamente o latão.
O encarregado não dá tréguas
E a música na rádio é uma desilusão.
Traço atrás de traço
Tento não cortar nenhum dedo da mão.
A broca é lâmina de barbear
E a vontade de fazer muitas rolhas tentação.
Aproveitar ao máximo o traço é obrigatório
Ou o encarregado dá-me cabo do melão.
Se no traço há verdura
A broca vai desafinar.
A verdura é lenha
E no fim a rolha não vai contar.
Trac-trac durante oito horas em stéreo
Fazem-me parecer um ciclista em ascensão.
Não há tempo para ficar cansado,
Ou vou ter de aturar o filho do patrão.
Apara furada para a rede,
Rolhas para o latão.
"QUEM FIZER MAIS É O CAMPEÃO."
Quando a apara é muita
Há que a mudar.
Esfolas as pontas dos dedos nas redes
Quando pelo estaleiro as tens de arrastar.
Com o camião por baixo
Atira-las pelo ar.
E tens de andar rápido
Porque o patrão já te está a chamar.
Na escolha as mulheres fazem a separação.
Extra, superior, 1ª, 2ª, 3ª, 4º e quinto.
O filho do patrão assedia as boazonas
Com a intenção de lhes ir ao pito.
O rabaneador é o Samurai da cortiça.
Com a grande placa na mão
Tem de a cortar com perícia.
E com gestos largos vai-a cortando na serra
Com a habilidade de um artista.
Tem de ser um especialista.
A lavação é o tanque da alquimia.
Mata os micróbios, fungos e outros parasitas.
É caustica, húmida e corrosiva.
Ninguém lá quer trabalhar por ser pouco sadia.
Com as rolhas enfiadas em redes de nylon
Tenho de as enfiar em tanques de soda fria.
Nem as luvas, galochas, ou o fato de protecção,
Resistem muito tempo à corrosão activa.
Sobretudo no Inverno
É trabalho desagradável.
Ninguém o quer fazer. - Pudera.
É duro como o caralho.
Na cozedura o Inverno é amigo,
E o forno fumegante cria bom ambiente.
O ar cheira a cortiça fresca, a dinheiro...
Os fardos elevados por correntes
Caem no caldeirão docemente.
O cheiro adocicado é cozinhado a fogo lento.
A água preta borbulha e o forno é contínuamente atestado com lenha.
A caldeira parece um vulcão
Com vontade de cuspir fardos de cortiça de primeira.
Máquinas entram e saem
Com fardos para cozer ou pôr a temperar.
São precisas algumas semanas na sombra
Para os deixarem prontos a rabanear.
Há um tipo de bolor típico da cortiça
Fácil de identificar.
Faz lembrar queijo Rockfort,
Desagradável ao cheirar.
Quando a rolha é de fraca qualidade
Há que a parafinar.
Este processo funciona bem, mas cuidado.
A fábrica pode ir pelo ar.
A garrafa pede rolha,
A rolha quer engarrafar.
Venham daí umas garrafas de tintol
Que estou pronto para as aviar.
P´rá França, p´rá Alemanha, p´rá Califórnia,
Camiões, o contentor a abarrotar.
Quero euros, quero dólares,
Para uma vida de luxo levar.
Olha aí um copo man.
JUN09
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